Notas – Cap. 16 - 20

Capítulo 16

1
Esta parábola tem forte ligação com a anterior. Aqui, um mordomo ou gerente de patrimônio é denunciado como esbanjador (pródigo, defraudador, dissipador) dos bens do dono das terras e propriedades sobre as quais tinha o dever de bem administrar e gerar lucros.

2 Uma antiga prática comercial judaica era aumentar excessivamente os preços, no caso de pagamentos a longo prazo. Isso para evitar a cobrança de juros, o que não era permitido pela Torá, especialmente entre os judeus (Dt 23.19). Muitos estudiosos defendem a tese de que o administrador procurou os devedores do seu patrão e, renegociando as dívidas com base em valores justos, para pagamento à vista, conseguiu receber um alto volume de recursos financeiros, agradando e conquistando assim o bom favor dos seus devedores, bem como satisfazendo os interesses do seu senhor.

3
Cem potes de azeite, ou como aparece em algumas versões: "cem cados de azeite", correspondem à produção de aproximadamente 450 oliveiras. Cerca de 400 litros de azeite puro. Normalmente os administradores colocavam um preço ainda mais alto no azeite, pois no caso de apropriação, por falta de pagamento, era costume adulterar o azeite com outros óleos para aumentar o volume devolvido.

4 Cem tonéis de trigo, ou como aparece em algumas versões: "cem coros de trigo", correspondem à produção de aproximadamente 100 acres de terra plantada. Cerca de 36.000 quilos de trigo colhido.

5 O que Jesus elogia não é, evidentemente, a desonestidade do administrador, mas sim a sua engenhosidade em usar os problemas e as oportunidades que estavam presentes para se preparar para um futuro inóspito que ele antevia. Da mesma forma, o cristão deveria investir todos os recursos que possui nesta vida no serviço de Deus e do Evangelho, em benefício dos seus semelhantes, a fim de assegurar galardões e grandes recompensas no céu e na vida eterna. A expressão "filhos deste mundo" (no original grego transliterado: tou aionos toutou) era uma frase comum para indicar o período anterior à vinda do Messias e o Seu Reino. Os cristãos fiéis, "os filhos da luz", devem dar mais valor e atenção à eternidade (Jo 8.12; 12.36; Ef 5.8).

6 O vocábulo grego original transliterado: adika, traduzido aqui, por algumas versões, como iníqua não indica uma falta de justiça ou ética pessoal; mas, a característica geral desta era, portanto, "deste mundo" (sociedade) em que vivemos (v.11; 1Jo 5.19). O povo de Deus deve estar disponível e motivado para usar todos os recursos que o próprio Senhor lhe tem concedido, na gloriosa tarefa de ajudar o próximo, e fazer discípulos de Cristo por meio da amizade sincera. A obra de amor ao próximo deve ser realizada com fidelidade, quer seja com poucos ou com muitos recursos. Esses amigos, discípulos de Cristo, estarão no céu (nos tabernáculos ou moradas eternas) e serão eternamente gratos por nossas atitudes de amor cristão. Dessa forma, as riquezas acumuladas neste mundo podem ser investidas para conquistar benefícios eternos.

7 A lealdade e a fidelidade não são determinadas pelo montante confiado, mas pelo caráter da pessoa que faz uso dele (19.17; Mt 25.21).

8 Nessa vida nada nos pertence, somos apenas administradores (mordomos) dos bens do Senhor. No céu, entretanto, receberemos nossa herança e o direito de possuí-la (Sl 24.1).

9
A palavra grega original para "servir" é douleuen, que significa "ser escravo" (Rm 1.1). Nem sempre a escravidão era cruel ou jugo involuntário. Havia muitos senhores sábios e justos para com seus escravos, bem como algumas pessoas que se voluntariavam para servir com absoluta dedicação a certos senhores em troca de proteção e segurança. A expressão grega: mamõna, é uma palavra de origem aramaica que significa tudo o que pode ser adquirido por meio das riquezas. Lucas, mais que qualquer outro evangelista, destaca os "santos pobres" e o perigo do amor a Mâmon: o deus do dinheiro. Uma pessoa pode dedicar-se de todo o coração ao serviço de um ou outro, mas não de ambos (Cl 3.5; Mt 6.24 conforme Tg 4.4).

10 Os fariseus apreciavam receber o louvor e os elogios das pessoas, especialmente por causa de sua cultura, aparente rigidez religiosa e oratória (Jo 5.44; 12.43), mas Deus, que sonda os corações e o íntimo de cada ser humano, vê os motivos egoístas que são abomináveis para Ele.

11 A vida e o ministério de João Batista, que preparou o caminho para Jesus, o Messias, marcou a linha divisória entre o AT (a Lei e os Profetas) e o NT (o Evangelho da Nova Aliança – Hb 8.6-12 conforme Jr 31.31-34). No Evangelho, a salvação é dada inteiramente pela graça, de modo que, mesmo não sendo judeus "zelosos da Lei", como os fariseus, muitos estão – a cada dia – entrando no Reino de Deus seguindo o difícil, estreito e desprezado Caminho de Cristo (14.27). É a vida e o ministério de Cristo que trazem uma nova e derradeira oportunidade de salvação à humanidade caída (Nova Aliança). Cumprindo assim, nos menores detalhes, toda a Lei (Antiga Aliança). Jesus ilustra o completo cumprimento da Lei e suas profecias, assegurando que nem um pequeno traço gráfico (algumas versões o chamam impropriamente de "til" ao tentar uma correspondência com a língua portuguesa) da menor letra do alfabeto hebraico se apagaria da Lei até que fosse cumprido (Mt 5.17-18).

12 Jesus toca sabiamente em um assunto delicado já naquela época. Os fariseus, apesar de todo o seu zelo e legalismo, haviam se tornado extremamente permissivos em relação ao divórcio. Alguns mestres judaicos como Hillel concediam divórcio pelos motivos mais triviais; por exemplo, se uma esposa deixasse queimar ou azedar o almoço do marido. Aquibá, outro jurista fariseu, chegou ao ponto de permitir o divórcio a maridos que se queixaram da beleza de suas esposas e desejavam casar com outra mais bonita. Além disso, apenas aos homens era dado o direito do divórcio. As mulheres eram obrigadas a permanecer casadas enquanto os maridos as desejassem. Jesus notou que os fariseus haviam transformado a Lei numa zombaria e, por isso, fazia questão de expor os juristas e religiosos da época ao ridículo de suas práticas injustas. Jesus ensinou que o alvo maior da Lei não é o divórcio, mas sim orientar o casal para que se ame, respeite e viva em harmonia e companheirismo por toda a vida terrena. Deus criou o casamento de modo que dois seres humanos se tornem um e dêem seqüência à raça humana como uma grande família (Gn 2.24). O divórcio nada mais é do que uma disposição por causa do egoísmo, insensibilidade e arrogância – "dureza de coração" – a que chegaram os homens (Mc 10.5).

Descasar e casar de novo é uma alteração (adultério, deformação) da vontade original de Deus para o homem e a mulher; assim como os fariseus estavam fazendo com toda a Lei. De passagem, Jesus estava defendendo publicamente a posição de João a respeito do procedimento de Herodes Antipas para se unir a Herodias (Mt 14.1-4). Mateus revela mais sobre o ensino de Jesus em relação ao divórcio (Mt 5.31,32; 19.9), tema que também aparece em outros textos bíblicos (Mc 10.11,12; 1Co 7.10,11).

13
Jesus conta uma outra história. Desta feita um homem rico e avarento vivia de forma perdulária. Insensível, não atentava para as necessidades de Lázaro, um mendigo cujo nome em hebraico significa: "Deus me socorreu", e que fora deixado na entrada da mansão do homem rico. A palavra grega transliterada: esbebleto significa literalmente, "foi jogado". Lucas, como médico, nos informa sobre a extensão e a gravidade das feridas do pobre Lázaro, usando uma expressão médica, muito específica em grego, e que só aparece aqui no NT "chagas".

14
O Talmude menciona tanto o paraíso (23.43) quanto o lado de Abraão (tradicional e literalmente chamado de "seio de Abraão"), como sendo o lar eterno dos justos. Estar junto a Abraão significa estar em um lugar de paz e felicidade (o verdadeiro Shabbãth – repouso), para onde vão todos os justos após a morte e ficam aguardando o Dia do Senhor, a vindicação futura e final. O rico avarento demonstra todas as características de um saduceu da época: riquezas, amor excessivo ao luxo, dinheiro e bens materiais. Também não acreditavam na vida após a morte (At 23.8), e limitavam o cânon bíblico aos livros de Moisés (a Torá). Em contraste com o "administrador astuto" e sua preocupação quanto ao seu futuro (v.4-9), este rico, como o "tolo" (12.16), foi indiferente à sua própria condição e ao sofrimento dos seus semelhantes no presente, e não se preocupou com o juízo futuro. Sua atitude quanto à vida ilustra bem o princípio revelado no v.15b.

15 Algumas versões trazem aqui a palavra "inferno". Entretanto, Hades não é geena, como em Mt 5.22. Hades ou Sheol (em hebraico), refere-se ao lugar para onde vão todas as almas após a morte física. O Hades é dividido em duas áreas: o paraíso e o lugar de tormento, onde os ímpios esperam pelo Juízo final para a condenação (Ef 4.9; Ap 20.11-15). Que os tormentos começam no Hades fica evidenciado pela lastimável situação desse rico avarento. O Hades inclui os castigos característicos do fogo do inferno (lago de fogo e enxofre, Ap 20.10; agonia extrema, Ap 14.11; separação total e definitiva, Mt 8.12). O paraíso (seio de Abraão – 22; 13.28) está separado por um abismo instransponível entre o mundo inferior e os "lugares celestiais" (2Co 12.4; Ap 2.7; 6.9). Nesta história o Senhor ensinou que existe plena consciência após a morte. A memória do passado não é anulada no outro mundo. O inferno é um lugar de sofrimento eterno. Não existe uma segunda chance de salvação após a morte. É impossível qualquer comunicação entre mortos e vivos. Todavia, há alguns teólogos que entendem de modo menos literal essa descrição feita por Jesus sobre estar "no seio de Abraão" ou no Hades.

16 Os dois homens desejaram muito algumas coisas. O rico avarento desejou e amou suas riquezas e o glamour do luxo e do poder, e recebeu tudo do que mais queria. Durante toda a sua vida perdulária, muitas vezes passou ao lado do mendigo, mas jamais sentiu compaixão pelo seu semelhante atirado a uma situação tão degradante, sem forças nem qualquer auxílio. Lázaro sonhava com uma oportunidade de vida digna, a cura física e qualquer alimento ou ajuda que viesse daquele seu semelhante tão próximo e tão rico. Esperou até a morte pela realização dos seus sonhos, mas morreu em silenciosa esperança, resignado. Aceitou a vontade de Deus até o fim. Entretanto, a vida não acaba na sepultura, e na eternidade, a situação desses dois seres humanos sofreu grande inversão. O rico avarento, que jamais precisara pedir coisa alguma, agora experimenta o que significa mendigar, e suplica algumas gotas de água a Abraão (a quem chama de Pai, mas em nome de quem nunca agiu como filho) usando palavras semelhantes às que Lázaro usara para lhe implorar algumas migalhas de pão. Mesmo assim, considerava que Lázaro poderia servi-lo. O inferno é um lugar de padecimento constante e eterno, de onde pode ser contemplado o que jamais se alcançará (v.23), e de onde os condenados se lembrarão do passado com saudade insaciável e terrível remorso (v.25), como uma espécie de sede sem alívio (v.24).

17 Referir-se a "Moisés e os Profetas" era um meio comum de mencionar todo o AT. O rico avarento não prestara atenção às Escrituras e aos seus ensinamentos, e agora temia que seus irmãos caíssem no mesmo erro.

18 Lucas mostra que essa história não trata apenas do cuidado que devemos ter com nossos desejos, ambições e atitudes durante esta vida. No final Jesus menciona sua ressurreição (v.31; 9.22) para fazer uma importante revelação: se a mente e o coração de uma pessoa estiverem refratários ao Espírito do Senhor, e as Escrituras Sagradas forem rejeitadas, nenhum tipo de prova – nem mesmo uma ressurreição – fará essa pessoa mudar de opinião (Jo 5.45-47). Nem a ressurreição de Lázaro, amigo de Jesus, em Betânia, nem mesmo a de Cristo foram capazes de persuadir os arrogantes e legalistas líderes religiosos a se arrependerem (Jo 11.47 – 12.11), mas no coração de muitas outras pessoas houve fé, e foram salvas.


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Capítulo 17

1 Jesus se refere especialmente aos líderes religiosos e previne seus discípulos para evitarem qualquer escândalo (em grego: skandala – que significa literalmente, "tentações ao pecado"). Lucas coloca esse texto numa seqüência de advertências sobre o uso das riquezas e o correto ensino das Escrituras. Todos os cristãos devem cuidar-se para não se tornarem "pedra de tropeço". Ou seja, motivo de desânimo espiritual ou pecado que afaste os mais novos na fé (de qualquer idade) ou os imaturos do Caminho do Senhor (17.23; 21.8; Mt 18.6; Mc 9.43; Rm 14.13).

2
A palavra original, aqui traduzida por "repreende-o" tem o sentido de "corrigir com amor". Jesus ensina que seus seguidores devem perdoar tudo, em todos, e sempre (Mt 18.21). Como cristãos temos não somente a obrigação, mas o poder de perdoar o arrependido, assim como Deus perdoa (15.1-32; Mt 6.14,15). Apesar de todas as dificuldades para cumprir esse mandamento do Senhor, sua prática produz enormes, profundas e eternas bênçãos. Evidentemente, a fé é tão essencial para perdoar quanto para pedir e receber perdão.

3 Os apóstolos imediatamente pediram mais fé ao Senhor para conseguirem cumprir o mandamento do perdão. Jesus nos ensina que para cumprir essa ordenança e viver a vida cristã com coerência e frutos espirituais (abundância, plenitude, Jo 10.10), não é necessário uma grande fé, mas fé em um grande Deus. Jesus usa a figura do grão (semente) de mostarda – que era proverbial por causa do seu pequeno tamanho – e substitui o conceito de maior ou menor fé, para a realidade de uma fé genuína. Se há uma fé real, sem dúvida, os seus efeitos a seguirão. Jesus refere-se à figura da amoreira negra, muito usada pelos fariseus como metáfora de solidez e tradição arraigada (diziam que as raízes desta árvore eram enormes e viviam até 600 anos) e assegura que a fé pura e verdadeira poderia removê-la e plantá-la em pleno mar.

4
Muitas são as pessoas que imaginam que Deus pode se tornar nosso devedor por causa de boas obras praticadas, sacrifícios, ofertas ou promessas cumpridas. Na verdade, nossa alegria deve estar em sermos recebidos como servos (escravos). Jesus previne seus discípulos quanto ao uso correto da fé. Ou seja, com humildade. Não esquecendo da nossa condição primeira de escravos sem direito. A palavra grega original: achreioi (inúteis), significa "que não dá dividendos", isso quer dizer: "não há como barganhar com Deus" (Mt 5.48; 1Co 9.16). Jesus relata como era a vida normal dos senhores e seus criados, mas ele próprio agia com muito mais generosidade (12.37; 22.27).

5 A partir deste trecho Jesus segue sua jornada até Jerusalém, passando pela Peréia e ministrando ao longo do caminho até chegar ao seu destino final (9.51; 13.22).

6 Caminhar sob o comando do Senhor é sempre a prova da fé pura e verdadeira que remove obstáculos (2Rs 5.10-15). Jesus não queria chamar atenção sobre si, nem quebrar a Lei. Porém, é importante observar que somente depois de curadas as pessoas deviam ser apresentadas diante dos sacerdotes para a entrega de ofertas de gratidão a Deus (Lv 13.2,3; 14.2-32).

7 Os nove leprosos ingratos representam a atitude da maioria do povo judaico diante da pessoa e missão de Cristo. Os judeus não suportavam os samaritanos há muito tempo (Jo 4.9). Contudo a doença e as crises sempre aproximam os inimigos. A maneira agradecida e feliz com que o samaritano volta para louvar ao Senhor é um prenúncio do Evangelho chegando a todos os povos da terra não judeus (gentios).

8 Jesus costumava abençoar as pessoas com essa frase, cuja palavra "curar", também pode ser traduzida como "salvar", ou ainda "livrar". Jesus gostava de usar o sentido ampliado dessa expressão em sua língua original para dar ênfase ao significado completo da salvação trazida por ele. Os nove judeus também tiveram fé, pois foram curados. Mas esse homem teve fé e gratidão e recebeu cura para o corpo e salvação para a alma. Ou seja, foi plenamente restaurado (7.50; 8.48,50; Mt 9.22).

9 Jesus usa a palavra parateresis, que no original grego quer dizer: "sinais" ou "ritos de culto" (Gl 4.10) para ensinar que sua chegada e seu Reino não dependem de grandes manifestações exteriores como ocorreu na noite de Páscoa (Êx 12.42). Deste momento em diante, as pessoas em todo o mundo receberiam Deus para habitar (tabernacular) em seus corações, sem quaisquer ritos ou grandes manifestações cerimoniais. O sangue da salvação no madeiro, seria o do próprio Deus encarnado: Jesus Cristo.

10 Jesus faz muitas vezes uso de expressões enigmáticas, para que apenas aqueles cuja alma for tocada por Deus, o sigam e obtenham a revelação. Assim, neste trecho, a expressão "entre vós" significa, ao mesmo tempo, que a experiência de receber o Reino de Deus é um milagre que ocorre no interior do ser humano (Mt 23.26), e que o Reino já havia chegado e estava bem ali na pessoa do seu Rei (19.11; 21.7; At 1.6). Jesus declara que não está no meio dos fariseus incrédulos; mas sim, que o Filho de Deus já estava agindo no meio deles, convocando seus súditos e proclamando sua volta em poder e glória no final dos tempos.

11
Quando os exércitos de Roma invadiram Jerusalém e massacraram o povo judeu (cerca de 70 d.C), muitos discípulos suplicaram desesperadamente pela volta de Cristo. Em épocas de guerras e grandes crises, os crentes desejam ver o grande Dia do Senhor, pois isso significará para os cristãos de todas as raças, povos e nações, o fim do sofrimento, das angústias, privações e perseguições.

12 Jesus prevê que os dias que antecederem ao seu glorioso retorno – repentino e brilhante como um relâmpago que corta os céus – a situação espiritual e moral das pessoas será de absoluta indiferença. O mundo viverá uma completa permissividade e apenas o poder econômico será reverenciado. A religiosidade da verdadeira teologia bíblica será esvaziada. Muitos destes sinais já são observados em países da Europa e em algumas partes dos Estados Unidos, conhecidos por sua tradição cristã reformada e protestante, e como um dos maiores centros evangélicos do mundo. Nessa época, vários falsos profetas surgirão e enganarão a muitos.

13 Mas os tempos seriam marcados pelo sangue de Cristo. Antes que a história continuasse até seu epílogo, era impreterível o sacrifício do Filho de Deus para salvação do seu povo, e Jesus fez muitas vezes menção a esse ato histórico e decisivo na vida dos discípulos e da Igreja por todas as gerações até a sua volta (5.35; 9.22,43; 12.50; 13.32,33; 18.32; 24.7 de acordo com Mt 16.21).

14
Os dias de Ló (Gn 18.16 – 19.28) se repetirão, porém não de forma localizada, mas sobre todo o planeta. Então o Filho de Deus aparecerá claramente visível para todas as pessoas, em todas as partes da terra (1Co 1.7; 2 Ts 1.7; 1Pe 1.7,13; 4.13). Os cristãos sinceros imediatamente estarão com Cristo, os demais, infelizmente, continuarão a história de afastamento de Deus e danação que escolheram trilhar (Jo 1. 11-14).

15 Na medida em que os dias se aproximam do glorioso retorno do Senhor, a sociedade relativisa e romanceia os princípios e mandamentos da Palavra de Deus, e a fé tende à apostasia, mais vigilância e consagração serão necessárias aos cristãos fiéis. A importância vital dessa preparação prévia para o grande Dia é um dos principais temas do ensino de Jesus Cristo sobre o final dos tempos (12.35-48; Mt 25.1-3). Vigilância é a constante e disciplinada concentração no Senhor e na prática diária da sua Palavra. Qualquer distração espiritual pode ser fatal, como ocorreu com a mulher de Ló. Nos tempos de Cristo, era costume subir nas lajes planas das casas para descansar à brisa amena dos finais de tarde na Palestina. Entretanto, no dia da volta de Cristo, não haverá tempo para buscar qualquer pertence. Tudo acontecerá num só instante. Mateus e Marcos se referiram da mesma forma à queda de Jerusalém e de modo indireto ao final dos tempos (Mt 24.17,18; Mc 13.15). Entretanto, o texto se refere aqui ao glorioso retorno de Jesus (v.30 de acordo com 21.21).

16 Independentemente do quanto duas pessoas sejam íntimas e da mesma família, não há qualquer garantia de que ambas venham a ter o mesmo destino eterno. Uma pode ser levada ao Juízo e à condenação eterna, e a outra, à salvação e à vida eterna com Cristo. A certeza da salvação deve estar no coração de cada pessoa que um dia aceitou sinceramente o sacrifício do Senhor por seu resgate pessoal.

17 Jesus cita um antigo provérbio judaico em resposta à pergunta dos discípulos afirmando que esses eventos ocorrerão em todas as partes do mundo. Os abutres percebem o cheiro de carniça a quilômetros de distância, muito tempo antes do último suspiro de suas vítimas. Assim sendo, mesmo com o céu azul e limpo, os abutres já começam a se aproximar dos cadáveres dos incrédulos para seu banquete final. Todavia, quando essa hora chegar, os cristãos sinceros já estarão na glória do Senhor, salvos e exultantes. Uma alusão à carnificina que ocorrerá por ocasião do Armagedom (Ap 19.17-19).


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Capítulo 18

1
Assim como a parábola do administrador infiel (16.1-8), essa também é uma "história enigmática de contraste". Revela que, se um magistrado que não teme ao Senhor, nem respeita ou teme a homem algum, pode ser levado a atender a petição de uma pobre viúva por causa de sua insistência, quanto mais o fará o justo Juiz do universo (Tg 4.12). Os cristãos são encorajados a permanecer fiéis e confiantes em suas orações a Deus, que no momento oportuno responde a todos como um Pai amoroso.

2 O juiz insensível da parábola não temia a Deus e muito menos aos homens. Não se preocupava com o bem-estar da sua comunidade nem com o que as pessoas pensavam sobre ele. A viúva, especialmente no AT, representava – assim como os órfãos – todo tipo de pessoa desamparada e carente de recursos (Sl 68.5; Lm 1.1).

3
A palavra grega original aqui traduzida por "aborrecer" é a mesma que Paulo usou ao se referir à disciplina que aplicava ao próprio corpo por causa de Cristo: "esmurro o meu corpo" (1Co 9.27) e seu sentido mais literal é: "esbofetear". As súplicas da pobre viúva eram como "bofetadas" no rosto daquele juiz insensível. A oração que sempre alcança a resposta do Senhor é: isenta de pecados não confessados (Tg 5.16); incessante (1Ts 5.17) e cheia de fé (1Jo 5.15).

4 A justiça de Deus sempre é feita, e será vista com clareza, por toda a terra no glorioso retorno de Jesus. A expressão "escolhidos" tem sua origem num termo hebraico, particularmente usado no AT, para se referir a Israel, o povo eleito de Deus. Entretanto, seu paralelismo com outra palavra hebraica muito significativa "servo" (1Cr 16.13; Sl 105.6; Is 65.9), une as idéias de "responsabilidade" e "privilégio". No NT a expressão tem seu conceito estendido à Igreja, como o Novo Israel de Deus (1Pe 2.9). Entretanto, Jesus prediz que a sua volta se dará em momento de grande esfriamento espiritual sobre a terra, afastamento da teologia bíblica e perseguição aos crentes sinceros. Nessa época será ainda mais necessário perseverar na oração e não esmorecer na fé leal a Cristo, assim como no exemplo da viúva.

5 O jejum não era uma prática ordenada na Torá (Lei), a não ser o jejum do Dia da Expiação. Os fariseus, entretanto, haviam instituído jejuns às segundas e quintas-feiras (Dt 14.22; Lc 5.33; Mt 6.16; 9.14; Mc 2.18; At 27.9). Da mesma forma, em relação ao dízimo, os fariseus ofereciam a décima parte de tudo quanto produziam, recebiam ou ganhavam e não apenas do salário e de algumas rendas, conforme prescrevia a lei mosaica.

6
A palavra "benevolente" vem do hebraico original transliterado hilastheti e quer dizer: "sê conciliado", "expiado", "indulgente". No NT e na Septuaginta essa expressão está relacionada com os atos no propiciatório, no Santo dos Santos do templo (Rm 3.25; Hb 9.5; Êx 25.17). O verbo aqui usado significa "ser propiciado" (1Jo 2.1-2). O publicano não evoca seu bom coração ou boas obras, mas suplica a misericórdia do Senhor para lhe perdoar os pecados e receber suas orações e ações de graças.

7 Jesus enfatiza um dos pilares doutrinais da fé cristã: a justificação. O fariseu tenta justificar-se a si mesmo ao apresentar suas qualificações morais e espirituais ao Senhor. Algumas, inclusive, acima do que a lei de Moisés ordenava. Entretanto, somente Deus pode justificar o ser humano culpado e já condenado (Rm 1.17; 5.1). Ao tentar justificar-nos a nós mesmos, estamos sendo falsos, mentirosos e desprezando a justiça da graça de Deus (Rm 3.20).

8 Jesus usa uma outra ilustração para explicar, particularmente aos discípulos, que tipo de pessoa herdará o Reino de Deus. A recepção calorosa e protetora do Senhor às crianças – no original grego transliterado brephe, "infantes" – denota que as principais virtudes desejadas por Deus no ser humano não são a instrução, compreensão e obediência irrefletida às leis; mas sim, a relação de amor puro, confiante e sincero para com o Senhor (Mt 18.3; 19.14; Mc 10.15 de acordo com 1Pe 2.2). Qualquer tentativa de obstruir ou impedir que crianças e pessoas simples do povo tenham essa relação verdadeira com Deus será duramente castigada (17.1,2; Mt 18.1).

9
A expressão usada por Jesus tem o seguinte sentido original: "Tu sabes o que dizes?" Ou seja, somente alguém que reconhece em Cristo a pessoa de Deus (Eu Sou), pode dirigir-se a ele por suas qualidades de lealdade, misericórdia e benevolência sem cair no pecado da hipocrisia (Rm 7.18). Afinal, somente Deus é bom, todos os homens são pecadores e inclinados ao mal. O jovem rico e religioso não percebeu que estava falando com Deus.

10
Jesus procura ser mais claro e, considerando o apego extremo daquele líder judeu ao cumprimento da Lei, o encoraja a cumprir o décimo mandamento, pois sua avareza era maior do que seu amor a Deus. A renúncia a tudo, e a qualquer coisa, que possa ocupar o lugar de primazia de Deus em nossa alma é condição sine qua non (latim: sem a qual não) para o discipulado (12.34).

11 Causas da tristeza e depressão de muitas pessoas: Negam-se a confiar plenamente em Deus e a corresponder às expectativas do Senhor (Jo 3.3,5); rejeitam o único Mestre que verdadeiramente pode guiá-las pelos árduos caminhos desta vida (Jo 8.12); afastam-se do único Caminho que pode conduzi-las à felicidade e vida eternas (Jo 14.6).

12 A ninguém foi dado o dom de salvar-se a si mesmo ou a qualquer outra pessoa. Essa é uma dádiva de Deus, outorgada através do sacrifício vicário de Jesus Cristo em benefício exclusivo daqueles que sinceramente nele crêem (Jo 6.37). Poucos são os ricos, mas todos amam o mundo e as coisas que o mundo oferece (1Jo 2.15). A renúncia de tudo por amor a Cristo é igualmente impossível, tanto para pobres quanto para ricos, por isso dependemos da graça do Senhor e do seu toque milagroso em nossos corações para abraçarmos com fé a salvação e nos convertermos dos nossos caminhos naturais de egoísmo e pecado.

13 Lucas destaca, pela primeira vez, a participação efetiva dos gentios (no caso, os romanos) em relação às perseguições e ao martírio de Jesus Cristo.

14 Apesar desta ser a sétima predição feita por Jesus sobre seu holocausto (5.35; 9.22.44; 12.50; 13.32; 17.25), os discípulos – como todos os judeus da época – esperavam há séculos a chegada de um Messias que venceria todos os inimigos de Israel e se tornaria rei dos judeus, como Davi. E também compartilharia seu reinado de glória com seus seguidores leais. Honras e autoridade seriam distribuídas entre os cooperadores mais próximos. Somente o Espírito Santo poderia lhes esclarecer quanto ao novo e definitivo procedimento de Deus em relação a Israel e ao mundo (2Co 4.3,4 de acordo com Lc 24.26).

15 É possível que Bartimeu (Mc 10.46) tenha sido curado entre a velha Jericó (uma cidade de cananeus) e a nova Jericó (construção que Herodes havia recentemente terminado). Mateus relata que dois cegos foram curados (Mt 20.30). É provável que um deles tenha falado de forma mais incisiva e destacada, suplicando em favor de ambos e, por isso, Marcos e Lucas não mencionam o outro.

16 O homem cego já tinha ouvido acerca dos rumores sobre o título messiânico que as multidões haviam consagrado a Jesus: Filho de Davi, e que culminariam na sua entrada triunfal (como o Messias que seria proclamado rei pela vontade popular) em Jerusalém (19.28). Esse agitar das massas judaicas começava a perturbar seriamente os governadores romanos, que permitiam a livre manifestação religiosa dos povos por eles dominados, mas jamais, qualquer tipo de insubordinação política ou econômica.

17
Jesus parou em sinal de reprovação aos que, desprezando os apelos do mendigo cego, o repreendiam. Por outro lado, Bartimeu demonstrou de forma prática a parábola da "viúva persistente". Ao homem que pedia "misericórdia" o Senhor pergunta em que sentido prático a misericórdia do Filho de Davi poderia ajudá-lo. Mateus acrescenta que Jesus tocou os olhos do homem, mas ambos mencionam que Jesus abençoou aquele homem com a palavra da cura completa, que pode ser traduzida como "salvação", o que significa uma cura do corpo e da alma. A fé daquele homem não produziu a cura, mas foi o meio pelo qual ele a recebeu. Daí em diante, o homem podia ver, e vendo, já não chamava a Jesus de Filho de Davi – líder político e rei dos judeus – mas glorificava a Deus, pois havia visto Seu Filho Jesus.


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Capítulo 19

1

Em hebraico literal, o nome "Zaqueu" significa, "o justo". Ele não era apenas um cobrador de impostos, mas uma espécie de gerente geral de arrecadações, cargo esse mencionado só nesta passagem em toda a Bíblia. Jericó ficava na fronteira com a Transjordânia (Peréia), uma região próspera nessa época e Zaqueu ganhava uma porcentagem sobre o trabalho de todos os demais publicanos do distrito. Zaqueu é um exemplo de que o impossível ao ser humano, é possível a Deus (18.24-47; Mc 2.14,15).

2 Havia um desejo no coração de Zaqueu e uma curiosidade por ver a Jesus muito diferente da inveja e maldade de Herodes (9.9), ou da incredulidade de muitas pessoas da multidão (11.16,24). Era a mesma disposição e perseverança do cego (18.41). Zaqueu subiu numa árvore robusta, de tronco curto, mas com longos e fortes galhos. Normalmente atingia dez metros de altura (Am 7.14).

3
Embora Zaqueu sentisse um desejo irresistível de conhecer Jesus; de fato, Jesus já sabia quem era ele. A frase usada por Jesus no original, não é apenas uma simples solicitação de pouso ou hospedagem, mas uma expressão enfática. Jesus entendia sua visita a Zaqueu como parte da sua missão divina. Zaqueu respondeu com regozijo ao chamado do Senhor. Lucas faz 19 referências explícitas à alegria e ao gozo espiritual. Assim como seu amigo Paulo em sua carta aos filipenses (Fp 1.18).

4
Para a maior parte da multidão era mais fácil louvar a Deus pelo milagre da cura do cego Bartimeu (18.43), do que se regozijar pelo milagre – ainda maior – da conversão de um rico avarento e pecador como Zaqueu (15.28,30).

5 O milagre da conversão sempre atinge a pessoa humana em seus pecados e recalques psicológicos mais crônicos, transformando o caráter e os sentimentos à semelhança do Senhor (Imago Dei – à Imagem de Deus). Zaqueu passa a ver em Cristo o grande valor e referencial da sua vida. Seus valores e ambições assumem prioridades celestiais e eternas. Zaqueu tira seu foco do acumular egoísta de bens e amplia sua visão para a socialização do amor e dos recursos materiais. Suas capacidades serão agora usadas para glorificar a Deus, em benefício do Reino, e não apenas para si mesmo. Zaqueu enxerga o mal que fazia e decide indenizar a quem prejudicou além do que exigia a Lei, considerando sua antiga atitude como roubo e restituindo, portanto, até quatro vezes mais (Êx 22.1; 2Sm 12.6; Pv 6.31).

6
A sociedade judaica costumava excluir os publicanos da comunhão nas sinagogas e os considerava como "pecadores", e não membros da família de Abraão (judeu verdadeiro). Jesus reconduz Zaqueu à sua condição de filho de Abraão – não apenas pela linhagem – mas, sobretudo pelo seu "andar nos passos da mesma fé que teve Abraão" (Rm 4.12). O título messiânico: "Filho do homem" (Dn 7.13) foi usado apenas por Jesus, citado nos quatro evangelhos, por Estevão (At 7.56) e na visão escatológica de João (Ap 1.13).

7 A parábola das moedas de ouro (ou minas) tem o propósito de revelar aos discípulos que – ao contrário do que pensava o povo – Jesus não iria completar a implementação do seu Reino terrestre ao chegar em Jerusalém.

8 Curiosamente, caso semelhante ocorreu no ano 4 a.C, relatado por Josefo em suas obras "Guerras" e "Antigüidades", nas quais narrou a história de Arquelau (irmão de Antipas) que viajou para Roma a fim de ser coroado e assinar os documentos de posse sobre a Judéia. Os judeus, conhecendo seu caráter tirânico, pois havia massacrado cerca de 3.000 judeus na primeira Páscoa após sua ascensão, mandaram uma delegação pedir que lhe fosse negado o reino. O imperador Augusto lhe concedeu metade do território que estava sob a tutela de seu pai, Herodes, o Grande. Embora jamais lhe outorgasse o título de "rei".

9 Em contraste com a história contada em Mt 25.14, a quantia é pequena e repartida igualmente para todos. A "mina" era uma moeda grega de ouro e seu valor equivalia a 100 dracmas gregas, cada dracma (ou denário romano) correspondendo ao salário de um dia de trabalho braçal (15.8). Cada mina pagava cerca de três meses de trabalho. Dez minas equivaliam aproximadamente a meio quilo de prata. E um talento, a cerca de 60 minas. Sendo assim, o montante total entregue a cada servo, equivalia ao salário de quase três anos.

10 Os cristãos recebem do Senhor um investimento de poder em suas vidas. Os que buscarem no Evangelho dividendos espirituais para si e para o próximo ficarão ainda mais ricos. Todavia, os que forem negligentes e preguiçosos, ou esbanjarem a graça que lhes foi concedida se tornarão cada vez mais pobres, a ponto de perderem até mesmo o que já possuem.

11
Uma referência ao genocídio de Jerusalém em 70 d.C. O castigo dos que se rebelaram contra o Rei e ativamente se opuseram ao Senhor foi muito mais severo que o aplicado ao servo negligente. Esse texto é também uma alusão escatológica ao Dia do Juízo.

12 Betfagé era uma aldeia situada a leste do cume do chamado monte das Oliveiras, a cerca de um quilômetro e meio de Jerusalém. Betânia, onde vivia Lázaro com suas irmãs, Marta e Maria, grandes amigos de Jesus (10.38 conforme Jo 11.1), era um outro povoado, no sopé do monte, a cerca de quatro quilômetros da cidade de Jerusalém (Jo 11.18). O monte das Oliveiras era uma crista montanhosa com quase dois quilômetros de extensão, separada de Jerusalém pelo vale de Cedrom (Zc 14.4; Mc 11.1).

13
O povoado aqui se refere a Betânia. Em outros relatos temos a confirmação de que se tratava de um jumentinho saudável, nunca antes montado (Jo 12.15 de acordo com Nm 19.2; 1Sm 6.7) acompanhado de sua mãe jumenta conforme o costume (Mt 21.7). Os evangelhos não revelam os nomes dos dois discípulos que foram buscar o jumentinho sob as ordens do Senhor, mas confirmaram que tudo aconteceu como Jesus profetizara (22.13,21,34); como profeta, conhece o que se passa no íntimo das pessoas (7.39 conforme Jo 1.47) e seu ensino está de acordo com Moisés e os profetas (24.6,26).

14 Jesus decide entrar em Jerusalém montado num jumentinho assumindo publicamente sua filiação a Davi e, portanto, digno do seu trono (1Rs 1.33,44). Porém, mais do que sucessor do reino de Davi, ele era o Messias a quem, quatrocentos anos atrás, os profetas haviam anunciado (Zc 9.9). Todos os judeus da cidade, liderados por um incontável número de discípulos, conduziam Jesus em procissão e o aclamavam como Rei dos judeus. A ressurreição de Lázaro e a cura do cego Bartimeu eram exemplos recentes, mas muitas outras maravilhas e obras poderosas estariam incluídas – algumas registradas por João – ocorridas em várias ocasiões em Jerusalém e na Galiléia (Mt 21.14; Jo 12.17).

15 Finalmente o povo unido reconhecia a divindade e majestade de Jesus (Mc 11.9 e Mt 21.4 com Sl 118.26). A paz messiânica de Jeová vinda à terra (2.14) volta ao céu, onde estará entronizado o Cristo ressurreto. Essa paz foi rejeitada por Jerusalém (42) e aguarda o glorioso retorno do Senhor para seu pleno cumprimento. Enquanto isso inunda de paz e gozo o coração dos que aceitam o Espírito do Senhor (Is 9.6; Jo 14.27; Ef 2.13,14; Fp 4.7). É importante notar que, enquanto as multidões louvam a Deus, aclamando Jesus como rei, o próprio Jesus chora e se lamenta pelo que sobrevirá à sua cidade amada (38-41), e os fariseus manifestam um descontentamento que logo culminaria no julgamento e assassinato de Jesus (23.21,27).

16 Os fariseus e líderes políticos e religiosos dos judeus pedem para que Jesus ordene aos seus milhares de discípulos que parem com aquela proclamação. Jesus lhes explica que o que estava acontecendo ali jamais teria fim. Ainda que todos se calassem, o estrondo das pedras, despencando do templo, contaria a triste história de quando Deus veio à terra e foi rejeitado pelos seus. Ninguém entendeu o que Jesus estava dizendo, até que no ano 70 d.C., Jerusalém foi arrasada e não sobrou pedra sobre pedra.

17
Ao observar a cidade e o povo a quem tanto amou, sabendo do desenrolar da história, e de tudo quanto aquela gente, seus filhos e netos, ainda sofreriam por causa de seus corações empedernidos (Nm 13 e 14; Ap 6.16,17), Jesus não suportou a emoção e esvaiu-se em pranto derramando seu lamento na forma de lágrimas sobre o solo árido da Palestina. Jesus bem sabia que sua entrada triunfal era, na verdade, o caminho do holocausto. A coroa que o aguardava era de espinhos e todos os seus seguidores o abandonariam em breve aos carrascos.

18 Jesus profetizou detalhes sobre como se daria a invasão romana cerca de quarenta anos mais tarde. Os exércitos romanos, durante anos, construíram trincheiras até sitiar toda a cidade. A descrição do Senhor lembra as predições do AT (Is 29.3; 37.33; Ez 4.1-3). Deus, na pessoa de Jesus – o Messias prometido – achegou-se até seu povo amado, e eles não o reconheceram, e o rejeitaram – assim como ocorre nos dias de hoje em toda a terra com relação ao Evangelho – (Jo 1.10,11 conforme Lc 20.13-16). Aqui termina a seção central de Lucas sobre a ida de Jesus para Jerusalém iniciada em 9.51. O verso 45 começa a seção sobre "Jesus no templo" que termina em 21.38, com a profecia sobre a invasão de Jerusalém e a destruição total do templo.

19
Marcos nos informa que essa chamada "purificação do templo" deu-se após a "entrada triunfal", ou seja, na segunda-feira da Paixão. Jesus se deparou com os vendilhões no átrio exterior (espaço reservado aos gentios), onde os animais destinados aos sacrifícios e ofertas eram vendidos, especialmente aos não judeus, por preços totalmente injustos e de forma contrária a Lei. João menciona uma situação semelhante no início do ministério de Jesus (Jo 2,13-25), mas os evangelhos sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas) referem-se apenas a esse mesmo momento (Mt 21.12,13; Mc 11.15-17).

20 Os chefes dos sacerdotes faziam parte do concílio governamental dos judeus, chamado de Sinédrio, e procuravam uma forma de matar Jesus sem causar comoção entre o povo (Mc 14.55; 20.19,20 conforme Jo 7.1; 11.53-57). A Casa de Oração torna-se um covil de ladrões, quando: O Senhor da casa não é reconhecido como Deus (Ml 3.1); a adoração e o verdadeiro amor são trocados pela avareza (Jr 7.11; 1Co 13); a casa do Senhor é tratada como se não pertencesse a ele (1Co 6.19); palavras e petições egoístas tomam o lugar da verdadeira intercessão (Tg 4.2,3).


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Capítulo 20

1
Jesus começa um longo dia de controvérsias (terça-feira da Paixão) sem perder seu ânimo e seu objetivo maior: salvar todos os que nele cressem (Jo 1.12-14), ainda que esse esforço o levasse ao martírio. No domingo Jesus havia entrado em Jerusalém sob aclamação do povo em procissão. Na segunda-feira expulsou os vendilhões do templo (Mc 11.19,20,27-33). Agora, os líderes dos três mais importantes grupos religiosos e políticos de Israel (sacerdotes, escribas e os anciãos, ou "maiorais do povo") e que faziam parte do Sinédrio, a assembléia governante do povo judeu, mobilizam todas as forças na tentativa de pegar Jesus em flagrante delito de desrespeito (blasfêmia) ou heresia quanto ao ensino das Escrituras. Esse seria o pretexto ideal para levá-lo a um sumário julgamento seguido de execução.

2
Jesus se expôs perigosamente quando, de forma violenta, censurou a atitude das pessoas que – em parceria com sacerdotes e líderes do Sinédrio – usavam o espaço do templo para negociar os animais (muitos com defeito e doentes) destinados às ofertas e sacrifícios. Uma atitude dessas só poderia ser tomada por alguém com a autoridade de um líder maior do Sinédrio ou pelo próprio Messias. Além de desafiar a autoridade dos principais líderes judaicos da época, Jesus também estava prejudicando os lucros monetários advindos dessa operação sinistra. As autoridades judaicas constituídas da época já haviam inquirido João Batista sobre sua autoridade profética (Jo 1.19-25), e ao próprio Jesus, no começo do seu ministério (Jo 2.18-22). Agora, entretanto, eles tinham que fazer algo rápido para desacreditar Jesus aos olhos do povo que o amava e exaltava como Messias. Um meio seria apresentá-lo como um revolucionário radical e descontrolado, o que chamaria a atenção imediata de Roma.

3 Essa parábola é ampla e profunda em significados, como a maior parte do ensino do Senhor. A história nos faz pensar sobre Is 5.1-7 (a vinha refere-se a Israel), tem implicações messiânicas ao mesmo tempo em que é uma profecia sobre a Paixão de Cristo. Os servos que foram enviados aos vinicultores (trabalhadores especializados no cultivo e beneficiamento da uva em larga escala), representam todos os profetas que Deus enviou no passado (Ne 9.26; Jr 7.25,26; 25.4-7; Am 3.7; Mt 23.24; At 7.52; Hb 11.36-38). Como normalmente ocorre nos contratos de meeiros, parte da renda obtida com a produção da safra deve ser encaminhada ao dono da propriedade. Jesus usa essa metáfora para explicar a expectativa de Deus em relação à nossa produção espiritual e nos alertar quanto aos dias de hoje. Vivemos na época da graça, quando Jesus Cristo viajou para terras distantes, mas voltará a qualquer momento para acertar as contas com seus vinicultores. Somos alertados a não ter a mesma atitude dos judeus (Mt 25; Lc 12.35; 19.11).

4
Jesus profetiza que seria excluído da comunhão dos seus e morto de forma injusta e indigna (Jo 9.34; Hb 13.12).

5 Jesus profetiza que todas as honras da salvação e da herança eterna do Reino de Deus passariam para outras pessoas (os gentios), por crerem no sacrifício vicário de Jesus Cristo, ganharão tudo quanto Israel perdeu (Rm 11.11; 22-25 conforme Lc 22.30).

6
Assim como um frágil vaso de barro se despedaça ao colidir contra a rocha pura. E, da mesma maneira, o vaso se espatifa quando atropelado por essa rocha. Assim virá o Juízo sobre os que se opõem ao Evangelho e sobre aqueles que de Jesus, o Messias, tentam se afastar (Is 8.14 de acordo com Dn 2.34,35,44; Lc 2.34). Jesus cita Sl 118, que foi cantado por ocasião do término da reconstrução dos muros de Jerusalém em 444 a.C. O verso 22 desse salmo refere-se à volta de Israel à Palestina e seu estabelecimento como nação, o que só veio a ocorrer definitivamente em meados do século XX. Os religiosos e o povo fiel esperavam uma renovação gloriosa do templo com a chegada do Messias. No entanto, Pedro nos revela que essa expectativa se cumpriu na edificação espiritual do templo que é a Igreja, o Corpo Vivo de Cristo, onde Seu Espírito habita e nos prepara para seu glorioso retorno (1Pe 2.4-9 de acordo com Jo 2.19-22; Ef 2.20-22).

7 Os escribas (mestres da lei) compreenderam muito bem que as profecias e admoestações tratavam particularmente de Israel e deles como líderes do povo. Jesus ainda nos previne que tropeçar espiritualmente, por causa da miopia ou cegueira da incredulidade, trará repentina destruição (despedaçamento) por causa do julgamento divino que ocorre também aqui na terra (um grande exemplo foi a destruição de Jerusalém em 70 d.C.). Da mesma forma, todos os incrédulos que persistirem na dureza dos seus pensamentos e sentimentos, até passar esse período da graça, no qual vivemos, serão levados pelo próprio Cristo ao Juízo final e espalhados como a palha num vendaval.

8
Ao perceberem a irritação de Jesus contra tudo o que de errado estava ocorrendo no templo e o quanto ele estava sendo identificado pelo povo como o Messias prometido, os líderes religiosos judaicos, tendo receio de tomar alguma atitude que pudesse provocar a revolta do povo contra eles, começaram a tentar – de todas as maneiras – levar Jesus a fazer algum comentário contra o sistema vigente de dominação romana. Roma era implacável com qualquer manifestação de revolta e indisciplina política por parte dos povos dominados e certamente separaria Jesus do povo se notasse qualquer insubordinação de um mestre judaico em relação às leis romanas.

9 Uma questão capciosa. Apoiar o pagamento dos impostos exigidos pelo gentio e dominador César seria uma decepção para um povo que há 400 anos esperava pela vinda do Libertador e agora via em Jesus a figura desse Messias. Todavia, aconselhar publicamente o não cumprimento da lei romana, seria um crime de insubordinação explícita e poderia atrair a indignação dos oficiais de Roma.

10 Jesus pede uma moeda corrente e lhe entregam um denário (moeda romana de prata cujo valor correspondia a um dia de trabalho de um soldado romano). Jesus chama a atenção da multidão para a figura cunhada na moeda. O retrato com o nome de César identificava o proprietário daquela moeda. Então Jesus, demonstrando a mais ampla e profunda visão sobre a vida e o relacionamento das pessoas com o Criador e com as criaturas, de forma absolutamente didática, ilustra seu ensino. A responsabilidade civil e temporal abrange tudo quanto tenha a imagem do mundo. O Estado com suas leis e regulamentos, por exemplo (Rm 13.1-7). Porém, há um outro lado. A responsabilidade espiritual e eterna que tem a ver com tudo aquilo que envolve a imagem de Deus. A pessoa humana com sua alma, mente e sentimentos (Mt 22.37). A palavra grega original transliterada apodote significa literalmente "pagar de volta".

11 Os saduceus pertenciam a uma linhagem sacerdotal de aristocratas judeus que influenciavam decisivamente a política e a economia israelense que não tinha adeptos entre os pobres. Eles não acreditavam na ressurreição e pregavam suas interpretações sobre a lei do levirato (Dt 25.5,6; At 23.6-8). Uma crença dos antigos judeus, que impunha à viúva o casamento com o irmão do marido falecido, com o propósito de assegurar a continuidade da família, ou seja, da patrilinearidade (Gn 38.8).

12
A expressão grega original e literal traduzida por algumas versões como "era" e "mundo" é, na verdade, "século". Expressão que abrange todos esses sentidos. Jesus usou o estilo de vida dos saduceus (excessivamente preocupados com poder e dinheiro) para se referir às pessoas materialistas e que adotam os valores deste mundo (comportamento modal da sociedade de cada época), quer dizer, do presente século, como alvo e exemplo. Em contraste, Jesus menciona os "filhos da ressurreição", cujos valores e comportamento serão diferentes aqui e por toda a eternidade (Cl 3.1-4).

13 Na época de Jesus as Escrituras não eram divididas e numeradas em capítulos e versículos como hoje. Os mestres e estudiosos tinham que decorar os conceitos e citar quem e como tal assunto era tratado. A partir do ano 1244 d.C. a Bíblia começou a ser dividida em capítulos para facilitar o estudo e apenas nos séculos XV e XVI passou também a ser subdividida em versículos numerados. Jesus na verdade citou Êx 3.2 para fundamentar sua explicação quanto à realidade da ressurreição e da vida eterna.

14
Jesus observa que passados vários séculos depois dos patriarcas, quando Deus se revela a Moisés, faz questão de apresentar-se como Deus de Abraão, Isaque e Jacó (Êx 3; 6). Se esses homens não estivessem vivos o Senhor não poderia referir-se a eles como seu Deus, dando a entender que eles ainda mantinham uma relação de culto e adoração ao Senhor mesmo após sua morte na terra. Um argumento desses, firmado em Moisés, tocou profundamente a todos, em especial, aos fariseus (a maioria dos escribas da época), que acreditavam na ressurreição e viviam divergindo teologicamente dos saduceus (At 23.6-8). A resposta de Jesus foi tão brilhante que todos ficaram atônitos e maravilhados com a simplicidade, sabedoria e verdade do seu ensino.

15 Se o Messias fosse apenas o descendente humano de Davi, como seria possível um rei deste porte chamar alguém da sua descendência de Senhor? Jesus aproveita o momento de grande atenção de todos para destacar a verdade sobre a sua pessoa e ministério. Os adversários de Jesus foram obrigados a reconhecer que o Messias era também o Filho divino de Deus (Sl 110.1). Estar à direita do rei é a maior demonstração de poder e soberania real, honras normalmente outorgadas somente ao seu filho e sucessor. Cristo reina agora (22.16; 23.42; Jo 18.36; 1Co 15.24). Os inimigos do Senhor que serão todos vencidos são: a morte (1Co 15.25,26), o pecado e as forças do mal (Cl 2.15; Hb 2.8).

16 Na hierarquia patriarcal dos antigos judeus, o filho mais velho não podia honrar o mais novo chamando-o de Senhor. Jesus explica que essa é uma referência à preexistência e deidade de Cristo, o Messias (Mt 22.41; Mc 12.35). Sendo eterno, Jesus antecede a Davi, como também é anterior a Abraão e sempre esteve com Deus (Jo 8.58).

17 Os escribas (mestres da lei que viviam da oferta do povo) procuravam representar as viúvas, como advogados, em suas causas jurídicas junto às famílias e os requerimentos do templo, para tirarem vantagens financeiras ilícitas (12.47,48). A vida religiosa não os fazia mais humildes, nem tampouco leais e verdadeiros. A importância do cargo que representavam, a cultura que ostentavam e o louvor das multidões – ao longo de séculos sem submissão verdadeira à Palavra – os havia transformado em pessoas avarentas, arrogantes, egoístas, fraudulentas e, portanto, hipócritas religiosos. A advertência de Jesus é clara e assustadora também para os nossos dias.


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